Artigo: A polícia e a violência nas escolas (Miriam Abramovay e Pablo Gentili)
Em alguns países, a
presença da polícia dentro das escolas tem sido uma das respostas mais
recorrentes para enfrentar a crescente violência que vivem as sociedades
contemporâneas. A proposta parece ser a maneira mais elementar de
oferecer proteção às crianças e aos jovens, as principais vítimas dos
efeitos do uso cotidiano de armas, do consumo de drogas e das agressões
físicas. Muros altos, grades imensas, seguranças armados ou policiais
patrulhando o interior das escolas, parecem brindar aquilo que desejamos
para nossos filhos: segurança e amparo.
Todavia,
os efeitos positivos desse tipo de iniciativa nunca foram demonstrados
de forma convincente. As razões do porque acontece nem sempre são
evidentes.Por um lado, conforme evidenciam boa parte das pesquisas e das
experiências bem sucedidas no campo da segurança pública, o ataque aos
efeitos da violência costuma não diminuir sua existência. A violência é
um fenômeno complexo e multifacetado, que se apresenta de forma variável
em diferentes espaços sociais e cujos efeitos são não apenas os danos
físicos, mas também o conjunto de restrições que impedem o acesso aos
direitos cidadãos mais elementares. Boas políticas neste campo devem ser
orientadas a fim de desestabilizar as causas que produzem os altos
índices de violência, não apenas seus efeitos. Ações tendentes a
combater a violência em alguns âmbitos públicos, como as ruas, não são
igualmente eficazes para combater a violência em outros como, por
exemplo, as escolas.
Precisamos
compreender a origem e as razões da violência no interior do espaço
escolar para pensar soluções que não contribuam para aprofundá-la.
Neste
sentido, quando as próprias tarefas de segurança dentro das
instituições educacionais são transferidas para pessoas exteriores a
elas, cria-se a percepção de que os adultos que ali trabalham são
incapazes ou carecem do poder suficiente para resolver os problemas que
emergem com relação à violência. Instala-se a ideia de que a
visibilidade de uma arma ou a presença policial, tem mais potência que o
diálogo ou os mecanismos de intervenção que a própria escola pode
definir para enfrentar um fato que a atinge, como atinge tantos outros
espaços dentro da sociedade. A medida contribui a aprofundar um vácuo de
poder já existente nas instituições educacionais e vivenciado por
alunos e adultos, criando um clima de desconfiança entre os que convivem
no ambiente escolar.
A presença da
polícia no contexto escolar será marcada por ambiguidades e tensões.
Estabelecer os limites da intervenção do agente policial é sempre
complexo num espaço que se define por uma especificidade que a polícia
desconhece. Nenhuma formação educacional foi oferecida aos policiais que
estarão agora dentro das escolas, o que constitui um enorme risco. As
pesquisas sobre juventude evidenciam um grave problema nas relações
entre a polícia e os jovens, particularmente quando eles são pobres. A
abordagem policial em grupos de adolescentes de setores populares (a
grande maioria entre os que frequentam as escolas públicas) mostram
abuso de poder por parte de agentes policiais. “Andar em grupos”,
“vestir-se com bermudões”, “jaquetas e bonés”, o uso do chamado
“kit-malandro”, são consideradas atitudes suspeitas que justificam a
intervenção policial. Fora da escola, isso provoca uma reação de
desconfiança e desrespeito promovendo um conflito latente que costuma
explodir em situações de alta tensão entre os jovens e a polícia.
Reproduzir essa lógica no interior da escola no parece ser recomendável.
Num
contexto de permanente desvalorização da autoridade docente, quem será
capaz de impedir que os policiais, com sua melhor boa vontade, não
intervenham para controlar atos correntes de indisciplina escolar.
Claro
que existem nas escolas atos praticados pelos alunos que fogem ao
enquadramento da disciplina escolar: a lesão corporal, o porte de arma, o
tráfico de entorpecentes, o dano ao patrimônio, etc. Trata-se de
contravenções penais que obrigam à intervenção policial. Todavia,
constitui um grave erro tornar essas ocorrências a justificativa para
promover a presença policial dentro do espaço da escola.
A
política repressiva não é o caminho para tornar nossas escolas mais
seguras. A escola deve ser um local de proteção e protegido, e a
presença da polícia pode ser uma fonte de novos problemas.
Devemos
contribuir para que as escolas solucionem seus problemas cotidianos com
a principal riqueza que elas têm: sua comunidade de alunos, docentes,
diretivos e funcionários. Programas de Convivência Escolar e outras
alternativas têm demonstrado um enorme potencial para enfrentar a
dimensão educacional da violência social. O potencial da escola está na
ostentação do saber, o conhecimento, o diálogo e a criatividade. Não das
armas.
Miriam Abramovay - pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO Brasil)
Pablo Gentili - diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO Brasil)
Fonte: Juventude.gov.br